domingo, 26 de maio de 2013

O TRANSPLANTE É MINHA ÚNICA CHANCE DE CONTINUAR VIVENDO

À espera de vida: 900 na fila do transplante no Espírito Santo

A angústia da espera, algumas vezes, pode durar cinco anos ou mais; em muitos casos, pacientes morrem antes de encontrar um doador


DANIELA ZANOTTI | dzanotti@redegazeta.com.br


Foto: Ricardo Medeiros | GZ
Ricardo Medeiros | GZ
Marielen sonha com um coração e com o dia em que poderá andar sem se cansar
Subir os 36 degraus que levam até o 2º andar do apartamento é o mesmo que escalar a maior das montanhas para Marielen Schiavim, de 48 anos. O coração não aguenta, ela sente-se cansada rapidamente e perde o fôlego muito antes de completar o percurso. Para poupar todo o esforço, Marielen passa a maior parte do tempo em casa. Ela está na fila para o transplante de coração e espera uma nova chance para seguir sua vida.

Aos 32 anos, poucos meses depois de ter se tornado mãe, ela sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). O mau funcionamento do coração fez com que um coágulo tomasse o caminho até o cérebro. Marielen recebeu o diagnóstico de miocardiopatia dilatada (coração crescido). Isso significa que ela não consegue caminhar 200 metros sem ficar extremamente cansada.

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Com a saúde debilitada, a ex-funcionária pública federal precisou aposentar-se mais cedo do que o planejado, aos 34 anos. Nos últimos três, seu estado de saúde piorou e a alternativa foi a colocação subcutânea de um cardioversor-desfibrilador implantável (CDI), que controla ritmos anormais do coração. Mas o órgão continuou crescendo e Marielen entrou na fila para o transplante. Ela espera há cinco meses por um doador.

“O transplante é a minha chance de continuar vivendo”, diz a loira de olhos cor de mel e voz doce. Ela toma 14 pílulas de remédios diariamente, sofre com crises de tosse e não pode fazer tarefas domésticas nem dedicar-se ao hobby de pintura em madeira. Marielen também lamenta não poder fazer pequenas coisas como matar a sede à vontade – ultrapassar a cota diária de 800ml provoca acúmulo no pulmão – e andar até a beira da praia.

Fila


Além de Marielen, outros 903 capixabas esperam por um transplante no Espírito Santo. Desse total, 826 precisam de um novo rim para sobreviver; 44 aguardam um transplante de córnea, 31 esperam por um fígado e 3 – incluindo ela – anseiam por um novo coração.

As listas de transplante são estipuladas por ordem cronológica (de chegada) ou em alguns casos, como a do fígado e do coração, pela gravidade da doença. Dependendo do órgão e do estado do receptor, a espera pode durar cinco anos ou mais, o que em muitos casos é sinônimo de morte.

Sandra Maria Luz Martins, 55, conhece bem a agonia da fila de espera por um órgão. Ela está há três anos na fila de transplante para rim, que é a maior do Estado. Mesmo com o crescimento de doadores nos últimos anos, a demanda ainda é muito maior do que a oferta.

O rim de Sandra começou a falhar há dez anos, mas foram nos últimos três que a situação se agravou e, desde então, ela ficou dependente das sessões de hemodiálise. São três por semana, com duração de quatro horas cada uma. “Quando comecei as sessões foi uma barra. Chorava muito. Parecia que o chão se abriu e eu estava dentro. Mas depois pensei que não valia a pena me entregar”, diz Sandra, que deixou de trabalhar por causa da doença.
Foto: Ricardo Medeiros | GZ

Decidi não me entregar. Quero viver e vou fazer o que estiver ao meu alcance. O pior é ficar presa a uma máquina toda semana - diz Sandra Maria Luz Martins, 55 anos, comerciante que está na fila de transplante de rim


Decepção

A esperança veio com o irmão, que seria o doador, mas na última hora ele desistiu da doação, sem dar explicações. Os dois eram muito unidos, mas hoje não conversam mais. “Ele ligou dizendo que seria curto e grosso, e que não doaria o rim. Meu irmão sempre frequentava a minha casa, mas desde aquele dia não falou mais comigo. Não tenho raiva, mas fica um ressentimento pela forma como ele me tratou”, lamenta Sandra.

A vida do vendedor autônomo Régino Gobbo, 47, também estacionou quando surgiu a cirrose. A doença foi consequência da hepatite C, que ele não sabe como contraiu. Isso foi há nove anos, mas o seu fígado tinha um prazo de validade. De novembro do ano passado para cá, Régino começou a ter uma rotina de idas ao hospital.

A fala arrastada é a pista para o que mais incomoda Régino: a encefalopatia hepática. Quando o fígado deixa de funcionar por causa da cirrose, as substâncias nocivas não metabolizadas podem provocar essa doença, que traz alterações neurológicas. Nos casos mais avançados da doença o paciente pode entrar em coma.

“Tenho muito medo disso. Estou bem lento e ‘saio do ar’ às vezes, esqueço as coisas”, conta o ex-vendedor. A fraqueza é outro sintoma. Ele não pode ficar mais do que três horas sem se alimentar. No cardápio, só comida sem sal; leite e carne bovina nem pensar. Seu porto seguro é a mãe, Hilda Paganotto, de 77 anos. É ela quem cozinha e cuida de Régino. “Eu é quem deveria cuidar dela, mas por enquanto não posso”, desabafa. Ele espera há seis meses pelo transplante e está em primeiro lugar na fila.

Fila essa que não se limita a adultos ou idosos. Crianças como Brian Francelino, de apenas 4 anos, também aguardam a sua vez. Morador do Forte São João, em Vitória, o menino está com glaucoma no olho esquerdo. A sua história expõe uma triste realidade no sistema público de saúde: a demora por uma consulta com especialista. Foram seis meses de espera depois que a família percebeu a placa branca no olho. Agora, a única solução é um transplante de córnea.

Por causa do problema, Brian às vezes não consegue sair de casa. Sente dor quando o sol está quente e qualquer vento é um grande incômodo. “A consulta demorou e isso piorou a situação dele”, reclama a mãe, Helen Francelino, 25. A tia do menino também está preocupada. “Nos informaram que o transplante seria mais rápido por causa da idade dele, mas já se passaram três meses”, diz.

Os desafios para o recebimento de um órgão não estão somente na espera e na cirurgia. A vida do paciente e de sua família mudam completamente. Sentimentos e emoções contraditórios passam a ser frequentes: a fé e a esperança enquanto esperam e a angústia da procura por compatibilidade. Mas uma coisa todos os pacientes têm em comum: muita vontade de viver e reconquistar a liberdade roubada.



Um comentário:

  1. amiga querida continuo a torcer por você e tenho a certeza de que logo essa angustia toda vai passar e voltará a fazer as suas caminhadas e o seu artesanato que sempre foi muito bonito
    bjs

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